29/06/2022 08H11

Audiência foi marcada pela observação de questões prévias, momento em que os advogados aproveitaram para solicitar a presença de altos funcionários do Estado para ajudar a esclarecer assuntos ligados à condição de alguns arguidos

O primeiro dia do julgamento do designado “caso Lussati”, decorrente da operação Caranguejo, conduzida pela PGR, ficou marcado, ontem, pelas questões prévias, onde os advogados começaram a pôr em prática a estratégia para conduzirem o processo  a favor dos seus constituintes, e se mostraram confiantes.

Nos termos da Lei Processual Penal, os advogados apresentam ao tribunal aquelas questões que podem impedir o conhecimento do mérito da causa. O advogado Jorge Golfo Afonso, que representa o arguido Joaquim José Armando, foi o mais polémico por levar mais de uma hora a apresentar várias questões, tendo “enfurecido” o juiz.

Por várias vezes o juiz-presidente da causa teve de parar o advogado e esclarecer que era necessário ser sintético e ter em conta o número elevado de advogados a intervir no processo, sendo certo que estão acima dos 40. A atitude do advogado Jorge Golfo Afonso deixou a plateia irritada, que pediu em uníssono, ao advogado para parar. O juiz-presidente usou do seu poder soberano para interromper a audiência, conseguindo um intervalo de uma hora.

O Jornal de Angola, no entanto, tentou ouvir o advogado Jorge Golfo Afonso, mas este disse que não estava em condições de prestar declarações à imprensa. O mesmo deixava transparecer as emoções fortes, uma vez que se apresentava visivelmente trémulo. A audiência, iniciada no período da manhã, prolongou-se noite a dentro.

O “caso Lussati” surge na sequência da implementação da política de combate à corrupção e má gestão da coisa pública, pelo Presidente da República, João Lourenço, desde 2017, altura em que assumiu a liderança do Estado angolano.

Presença de declarantes

Anastácia de Melo, advogada de Pedro Mulhongo, justificou que solicitou a presença do actual ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, apenas por este estar presente no período da bancarização dos salários do pessoal afecto à Casa de Segurança do Presidente da República. A ideia, esclareceu, é perceber com a ajuda do ministro de Estado porque o seu cliente não recebe os ordenados até à data, apesar de as suas contas estarem desbloqueadas. Fez saber que a situação se agrava pelo facto de o seu constituinte ser “arguido solto” e encontra-se a trabalhar.

“As famílias estão a passar por sérias necessidades”, enfatizou a advogada. Os defensores justificaram que a presença dos antigos titulares do Ministério das Finanças, assim como a da actual ministra Vera Daves, tem a ver pura e simplesmente pelo facto de a instituição ser a responsável pela gestão das receitas e despesas públicas. Nesta ordem, é justificada, também, a presença da presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gamboa, por a instituição que dirige ter a missão de fiscalizar as contas do Estado. 

Durante a sessão do exercício das questões prévias, ficou claro que o recurso, por solicitação, de altos titulares de cargos públicos responde à necessidade de esclarecer situações à volta do processo, mas que estão fora do âmbito processual ligado directamente à matéria em julgamento. A natureza jurídica, em substância, quanto ao que está sob julgamento, não remete para as figuras convocadas na condição de declarantes.

Os advogados de defesa pretendem, assim, com a presença no julgamento de altas figuras resolver pontos prévios, para se avançar com as questões directamente ligadas ao processo em julgamento. Foram solicitados, para efeito, o antigo ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, Pedro Sebastião, da presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gamboa, do ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, dos antigos ministros das Finanças, desde 2008, nomeadamente Pedro de Morais, Carlos Alberto Lopes, Armando Manuel, Archer Mangueira e a actual ministra das Finanças, Vera Daves.

Apontaram, nas alegações, que os antigos e actuais altos funcionários de Estado arrolados, apesar de não estarem ligados ao processo, estão em condições de esclarecer determinadas situações. Com a mesma perspectiva, foi solicitada, também, a Direcção Principal de Pessoal e Quadro das FAA, para juntar ao relatório do grupo Executivo ALFA de cadastramento presencial e recolha de dados biométricos na Casa Militar do Presidente da República.

A apresentação de questões prévias foi marcada por momentos de tensão entre advogados e o corpo de júri liderado pelo juiz Andrade da Silva.

Júlio Laurindo Chongolola é outro cidadão que esteve no CCT, tendo reconhecido que o início do julgamento do “caso Lussati” foi muito esperado pela sociedade. “Para aquilo que é a nossa expectativa como cidadãos, haverá muita coisa que vai ser descoberta ao longo desta sessão de julgamento, e esperamos que tudo decorra conforme a lei”, sublinhou.

 A sociedade angolana espera que se reponha a legalidade. Na verdade, é uma soma muito avultada, e isto é para desincentivar aqueles cidadãos que, quando forem indicados para um cargo público, sejam desestimulados a enveredarem por essa prática”, disse.

Os advogados Yuri Pascoal e Osvaldo Carlos Salupune entendem que o Ministério Público cometeu várias irregularidades na fase de instrução preparatória, e é por essa razão que a fase de questões prévias, operada em sessão de julgamento, está a levar muito tempo. 

Os arguidos Pedro Lussati, Fernando Moisés Dumbo e mais 47 elementos são acusados de crimes de peculato, associação criminosa, recebimento indevido de vantagens, participação económica em negócios e abuso de poder.

Os arguidos ainda são acusados de fraude no transporte ou transferência de moeda para o exterior do país, introdução ilícita de moeda estrangeira no mercado nacional, comércio ilegal de moeda, proibição de pagamentos em numerário, retenção de moeda, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e assumpção ou atribuição de falsa identidade.

Os 49 réus e seus mandatários judiciais compareceram ontem no Centro de Convenções de Talatona (CCT), num ambiente de calma e tranquilidade. As partes arrolaram um número de testemunhas, contadas acima de 200 pessoas. Por razões de exiguidade do espaço de julgamento, a sala de audiência da Secção Criminal do Tribunal de Comarca de Luanda – Palácio D. Ana Joaquina, foi indicado o Centro de Convenções de Talatona para dar lugar as audiências públicas.


Presença de familiares


Várias pessoas, entre familiares e amigos dos arguidos, acorreram ao Centro de Conferências de Talatona (CCT) para assistir o primeiro dia de julgamento do “caso Lussati”. Havia espaço para todos. Logo à chegada, as pessoas eram rigorosamente revistadas e encaminhadas para a sala de audiências, localizada no salão principal do CCT.

Os jornalistas tinham lugar reservado no exterior da sala, mas só foi permitida a entrada de jornalistas, pois, os repórteres de imagem foram impedidos, por não estarem autorizados a captar imagens da audiência.

Adelaide Ana da Silva, que assistiu ao primeiro dia de audiências, é comadre do arguido António Marques. Disse que é a primeira vez que assiste a um julgamento, e sentiu uma sensação que nunca antes havia sentido. “Eles disseram que teria início às 9 horas, mas começou muito tarde e está a ser um pouco exausto”, frisou.

“Vamos ver como termina. Está a ser uma  experiência única, é um caso muito relevante na sociedade, vamos ver o que é que vai dar”, realçou, tendo referido que  quando viu a imagem do Lussati pela primeira vez, “o que me ocorreu foi assustador, principalmente as malas avultadas de dinheiro”.

Revista Destemidos.