Pelo menos sete pessoas foram mortas, quatro delas decapitadas, em recentes ataques jihadistas no Nordeste de Moçambique, violência que agora atinge áreas até agora intocáveis, causando novos deslocamentos em massa.

18/06/2022 .  10H52

De acordo com a ONU e a ONG Save the Children, citadas pela Reuters, na terça-feira, 10 mil pessoas abandonaram as aldeias. O país é atormentado desde 2017 pela violência jihadista que já matou quase 4 mil pessoas, segundo a ONG Acled, e forçou cerca de 800 mil a fugir.

Os grupos armados estavam, principalmente, no extremo Nordeste da província de Cabo Delgado, região rica em recursos, perto da fronteira com a Tanzânia. Mas no início de Junho, uma série de ataques ocorreu mais ao Sul, no distrito de Ancuabe, a 45 quilómetros da cidade portuária de Pemba, capital da província. Uma área considerada “segura” até agora, observa a Save the Children.

“Pelo menos quatro pessoas foram decapitadas nestes ataques recentes, o primeiro no distrito”, disse a ONG em comunicado. Moradores das aldeias vizinhas que fugiram descreveram decapitações, estupros, incêndios em casas e sequestros, disse a ONG. Num outro ataque, na semana passada, dois seguranças que trabalhavam numa mina no mesmo distrito foram mortos.

Segundo fontes diplomáticas e humanitárias, as viagens foram restringidas desde o início do mês, devido ao aumento da violência.

Após um grande ataque no ano passado, no entanto, a violência diminuiu em intensidade, em parte, devido ao envio de forças militares regionais.

Um ataque mortal à cidade portuária de Palma, em Março de 2021, forçou a companhia francesa de energia TotalEnergies a suspender um projecto de gás natural de 16,5 mil milhões de euros a poucos quilómetros de distância.

Desde Julho, o Rwanda e países vizinhos da África Austral enviaram mais de 3.100 soldados para apoiar o Exército moçambicano em dificuldades. No entanto, grupos jihadistas do interior continuaram a realizar ataques esporádicos, adoptando tácticas de guerrilha mais tradicionais.

As forças regionais (Samim) disseram em comunicado, na quinta-feira, que mataram “vários terroristas” numa operação. Os militares perderam um homem e seis ficaram feridos. Por sua vez, o porta-voz do Secretário-Geral da ONU disse que mais de 17 mil pessoas, maioritariamente mulheres e crianças, foram forçadas a fugir das casas nos distritos de Ancuabe e Chiure, na província moçambicana de Cabo Delgado, após os ataques da semana passada.

Em conferência de imprensa, o porta-voz do Secretário-Geral, Stéphane Dujarric, fez uma breve actualização sobre a situação em Moçambique após os ataques registados na semana anterior, indicando que, até ao momento, as organizações humanitárias ajudaram mais de 1.700 pessoas, enquanto o serviço aéreo humanitário da ONU continua a transportar suprimentos.

Moçambique tenta regularmente tranquilizar os seus investidores sobre os progressos na luta contra os jihadistas. A descoberta, em 2010, das maiores reservas de gás natural da África sub-sahariana levou o Governo a esperar biliões em receitas anuais de projectos de gás, um ganho inesperado para o país, cujo PIB é de cerca de 13 biliões de euros. A maioria desses projectos está agora parada.

A violência também causou uma crise humanitária entre a população deslocada. Os Estados Unidos anunciaram, terça-feira, durante a visita a Moçambique da diplomata número três, Victoria Nuland, 28,3 milhões de euros de ajuda através do Programa Alimentar Mundial (PAM).

Nyusi fala em “debandada” dos rebeldes

O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, garantiu, quinta-feira, que os grupos rebeldes que têm aterrorizado Cabo Delgado estão enfraquecidos e em debandada, justificando as incursões dos insurgentes em pontos novos do Sul da província.

“Por causa do facto de estarmos a bater duro no inimigo ele está em debandada. Está a tentar estruturar-se em pequenos grupos que têm a tendência de descer para o sul”, declarou Filipe Nyusi, falando durante uma visita às posições militares estacionadas em Ancuabe, um dos distritos que registou novos ataques nas últimas semanas.

Segundo o Chefe de Estado moçambicano, os rebeldes que aterrorizam a província desde 2017 estão a fugir para o Sul de Cabo Delgado procurando alimentos, devido às operações militares que estão a ser desenvolvidas pelas forças moçambicanas, apoiadas pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e pelo Rwanda.

Na véspera, a ministra do Interior, Arsénia Massingue, denunciou o facto de agentes da Polícia estarem a informar “o inimigo”, forças rebeldes em Cabo Delgado, sobre as posições das autoridades.

“Os espinhos do ofício são esses que estamos a criar, quando temos desvios de comportamento, quando não temos sigilo profissional e saímos para informar o inimigo onde está a nossa força”, criticou a governante, durante uma parada policial realizada, na terça-feira, e divulgada pela comunicação social moçambicana.

Na mesma ocasião, a ministra foi crítica em relação a inúmeros aspectos da actuação policial, face à gravidade da indisciplina dos agentes, sobretudo na capital provincial Pemba, por oposição aos que estão na frente de combate. “Estão lá a dar o seu melhor, a dar o seu máximo a sacrificarem as vidas por nós, que estamos aqui a meter-nos em situações de indisciplina, a participar em casos de rapto, em desvios de comportamento totalmente contrários ao nosso juramento”, referiu.

Revista Destemidos