09/06/2022 ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO 09H00

Urnas contendo as ossadas de quatro vítimas dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977

Os restos mortais de Alves Bernardo Baptista (Nito Alves), Jacob João Caetano (Monstro Imortal), Arsénio José Lourenço Mesquita (Sianouk) e Ilídio Ramalhete Gonçalves, falecidos por ocasião dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, vão ser enterrados definitivamente, na segunda-feira, no Cemitério Alto das Cruzes, informou, quarta-feira, em Luanda, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos.

Francisco Queiroz, também coordenador da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP), ao intervir na cerimónia de entrega das ossadas às famílias, disse que as vítimas merecem um funeral condigno. 

O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos referiu que a entrega das ossadas às famílias, bem como a realização dos funerais na segunda-feira simboliza um momento de grande significado para a reconciliação nacional e pacificação dos espíritos.

Com este acto, disse o coordenador CIVICOP, não se pretende apagar da história os tristes acontecimentos do 27 de Maio, mas sim cumprir um dever de justiça para com as famílias e prestar uma merecida homenagem aos que perderam a vida naquele dia (27).

De acordo com o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, o 27 de Maio de 1977 é uma data carregada de muitos sentimentos que vai remeter para sempre a um passado, cujos actos daquela natureza nunca mais se repitam em solo pátrio.

Sob orientação permanente do Chefe de Estado, João Lourenço, frisou Francisco Queiroz, a CIVICOP iniciou um longo caminho de aproximação dos irmãos desavindos, num processo de diálogo frontal e sincero que criou um clima de confiança e de quebra de tabus.

Realçou que o longo caminho de aproximação dos irmãos desavindos culminou agora com a localização e devolução às famílias dos corpos dos cidadãos angolanos tombados por ocasião do infausto acontecimento de 27 de Maio.

Num discurso proferido à Nação e ao mundo, a 26 de Maio de 2021, recordou o coordenador da CIVICOP, o Presidente da República referiu que “não era hora de nos apontarmos o dedo em busca de culpados, mas sim importa que cada um assuma as responsabilidades na parte que lhe cabe”. 

“Não é hora de perguntar de que lado estavam os que morreram, nem de saber em que ideias acreditava cada um dos que morreram e não é hora de indagar das razões porque cada um matou ou foi morto. É hora de abraçar e perdoar para nos reconciliarmos”, afirmava o Chefe de Estado.

Envolvido no espírito de reconciliação, disse Francisco Queiroz, o Presidente da República  havia pedido desculpas e perdão junto das vítimas dos conflitos políticos e da sociedade em geral, em nome do Estado angolano, pelo grande mal que foram as execuções sumárias na altura do 27 de Maio.

Segundo o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, a entrega das ossadas às famílias foi um acto de humanismo e respeito pelo sentimento das famílias e não se resumiu a simples palavras. 

 A identificação das ossadas de Nito Alves, Monstro Imortal, Sianouk e Ilídio Ramalhete Gonçalves, frisou Francisco Queiroz, cumpriu os procedimentos minuciosos, cientificamente rigorosos.

De acordo com o coordenador da CIVICOP, a exumação de ossadas, realização de análises genéticas para determinar o ADN e comparação com o mesmo tipo de exame ao material genético fornecido pelas famílias, cumpriram toda a orientação científica.

Francisco Queiroz disse que o processo cumpriu as regras da ciência forense que permitiu determinar, com a margem de certeza que o exame de ADN feito nas ossadas, depositadas nas quatro urnas pertencem a Nito Alves, Monstro Imortal, Sianouk e Ramalhete.

Para quem pretender obter mais certezas científicas, referiu o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, os relatórios são auditáveis e podem ser submetidos à avaliação internacional.

Francisco Queiroz, em nome do Executivo, agradeceu às famílias pela colaboração prestada durante o processo de determinação científica do ADN e apelou à paciência e compreensão das demais que ainda não receberam as ossadas dos seus entes queridos.

A demora, disse o ministro,  deve-se ao cumprimento do rigor científico no concernente a exames desta natureza que impõem regras e padrões internacionais com os quais os profissionais e o Estado estão comprometidos.

O ministro do Interior, Eugénio César Laborinho, destacou que o Executivo, através do Serviço de Investigação Criminal e outros órgãos da CIVICOP, realizou um trabalho de recolha de várias ossadas para extrair os perfis genéticos e poder determinar a que pertencem as vítimas das famílias.

Em um ano, frisou o ministro do Interior, foram recolhidas amostras biológicas de 129 famílias, seis das quais colhidas em Lisboa (Portugal). As ossadas e as amostras biológicas dos familiares foram submetidas a diferentes tipos de análises.

 Até à presente data, referiu o ministro do Interior, foi possível determinar dez distintos perfis genéticos completos e três parciais, com os quais se estabeleceu a correlação com os restos mortais das quatro vítimas em membros das suas famílias, designadamente, esposas, filhos, primos, irmãos, sobrinhos, tios e netos.

 Famílias das vítimas 

Entre dor e luto pairava também a alegria em ver os restos mortais dos entes queridos 45 anos depois. Um dos sobrinhos de Nito Alves, autorizado a falar, disse que o momento é de sentimento de luto e de dor, mas também de agradecimento por parte do Presidente da República, pelo facto de ter dado início a um processo arquivado há muitos anos.

Alves do Amaral Panzo reforçou que inicialmente nunca teve informações sobre como o tio, pai, mano, teria sido morto, devido à situação que o país vivia. Só com mandato do actual Presidente começou a ter informações credíveis que culminaram com a entrega das ossadas.

Segundo o sobrinho, autorizado para falar em nome de Nito Alves, a família já tem informações sobre as circunstâncias da morte de seu ente, mas não revelou, justificando que o momento é de abraçar e perdoar todos os males.

 Valdmira Mesquita, filha de Sihanouk, agradeceu ao Presidente da República por ter  recordado o passado para unir e pedir perdão. Acrescentou que a família passou por momentos muito difíceis, por não ter informações sobre o desaparecimento do pai.

“Quando o meu pai morreu, tinha três anos de idade. Se for para contar as nostalgias que viviam há 45 anos, não acabaria num dia”, desabafou a filha de Arsénio José Lourenço Mesquita (Sianouk).

Por: Mazarino da Cunha.

Revista Destemidos.