Mais de 1 milhão de pessoas cruzaram a fronteira do país após a invasão russa, em um movimento oposto ao ritmo da guerra

guerra na Ucrânia criou um enorme fluxo de refugiados no Leste Europeu, sendo comparada a outras crises migratórias como as do Afeganistão, Síria e Iraque. Entretanto, diferente dos casos asiáticos, a cada cinco pessoas que deixaram o país, pelo menos uma atravessou a fronteira no sentido inverso, segundo a ONU.

De acordo com o professor de relações internacionais da Facamp (Faculdades de Campinas) James Onnig, o retorno tem muitos motivos, mas um dos principais é o medo de invasão e saque das propriedades em território ucraniano.

“Na minha opinião, estas pessoas que estão voltando agora estão preocupadas com o que está acontecendo com a casa delas, com as coisas delas”, explica Onnig ao R7. “Alguns vão, instalam a família em um país vizinho com muita segurança e depois voltam para lutar. Outros ainda partem para uma volta em função de questões legais, principalmente propriedades”.

Outro fator primordial para a decisão de destes ucranianos é o tratamento e as condições para viver nos países que os abrigam, como Moldávia, Polônia e Romênia. Pelo menos 5 milhões de pessoas deixaram o país desde o início da guerra, em 24 de fevereiro.

“Você vive em um país estranho, em um abrigo. Muita gente decide voltar para casa se ela está fora da zona de guerra. Lógico, as regiões mais tensas não tem esse movimento, mas nas regiões que estão fora da artilharia pesada, eu creio que é normal para eles.”

Uma das questões mais delicadas para governos europeus é a questão de refugiados. O tema dita debates presidenciais por todo o continente e costuma dividir as nações, em especial os grandes países da região, como Alemanha, França, Espanha e Reino Unido.

Entretanto, a entrada de ucranianos em outros países da Europa, e até nos Estados Unidos, tem sido facilitada até com programas de inclusão destes refugiados. Para Onnig, esta é uma tentativa de validação de discurso das nações que são contra a guerra de Vladimir Putin.

“Eles aceitaram por demonstrar sua indignação com a invasão russa. Portanto, eles não poderiam ficar só em um jogo de palavras, eles tinham que aceitar também os refugiados desse país.”

A recepção que os refugiados ucranianos têm na Europa não é a mesma que sírios, afegãos, iraquianos e outros povos conheceram. O professor da Facamp acredita que a xenofobia é um dos motivos pelo qual o tratamento entre nacionalidades é tão distinto.

“Existe um sentimento xenófobo muito grande em função da origem étnica e religiosa. Como exemplos temos os africanos e os muçulmanos, que vêm com religiões e etnias diferentes e isso cria sentimentos racistas muito fortes na Europa, especialmente em épocas de crise econômica, já que esses imigrantes são vistos como ladrões de empregos. Na verdade, isso não acontece.”

Se antes eram tidos pelos europeus como mão de obra barata, assim como outras nações do leste do continente, os ucranianos encontram facilidades para se deslocar dentro da área da União Europeia. Antes da guerra ou agora, a Ucrânia tem uma facilidade que outras regiões que vivem crises humanitárias não têm.

“São dois momentos diferentes e, em ambos os momentos, sem dúvida alguma, a questão de serem europeus é válida. No primeiro momento, sem integração alguma ou solidariedade alguma, eles são vistos como mão de obra barata, e agora eles são vistos como refugiados em uma guerra que a Europa inteira condenou.”

Realidade ucraniana no pós-guerra pode ser mais convidativa

Membros do serviço ucraniano são vistos em cima de um tanque, na região de Chernihiv
Membros do serviço ucraniano são vistos em cima de um tanque, na região de Chernihiv

Países asiáticos e africanos que sofrem com guerras civis por décadas têm uma relação de pobreza completamente diferente da Ucrânia. A economia de Kiev, apesar de paralisada pela guerra, ainda assim tem um futuro mais promissor que o de outras nações.

“Não podemos esquecer que a economia ucraniana estava funcionando. Então, a expectativa de retorno da Ucrânia a andar assim que a guerra acabe, é muito grande. Enquanto no Iraque, no Afeganistão, na Síria, foram destruídas as formas de produção locais impondo um desemprego absurdo, uma falta de oportunidade gigantesca, que muitas vezes impede qualquer sonho de volta.”

Segundo Onnig, o movimento ucraniano é único e “uma situação impar”, a qual foge da realidade dos refugiados de outros países que não têm a oportunidade de voltar. Para o professor, este será um caso a ser estudado após o fim da guerra.

“Era difícil prever que isso aconteceria em tão pouco tempo. É uma situação ímpar. Geralmente as pessoas saem e demoram para voltar. Quantas guerras aconteceram e ninguém acabou voltando. Então, nesse caso dos ucranianos, é uma forma peculiar, interessante de se estudar para saber se a proximidade, os elos com o país de origem, aceleraram um pouco a volta”, conclui Onnig.

Revista Destemidos